01 - Ué, mas dá para fazer cerveja em
casa?
É o momento em que o cervejeiro caseiro
é visto meio como se fosse um ET. As pessoas em geral acham que é preciso ter
uma fábrica monstruosa para produzir o precioso líquido. Isso sem contar as
matérias primas, os "maltes e lúpulos importados". E outra coisa é a
própria alquimia envolvida, que acaba se tornando tema de uma bateria de
perguntas subsequentes sobre o processo. Hoje em dia, já consegui restringir a
explicação do processo todo a menos de 60 segundos, mas foi necessário um bom
tempo treinando.
02 - Quando coloca o
álcool?
Nesse momento, é difícil conter a
risadinha. Claro, é uma pergunta que, vindo do leigo, faz sentido. Mas aí entra
em cena uma piadinha digna do equivalente cervejeiro do "tio do
pavê": quem faz a cerveja é o fermento, o cervejeiro faz mosto (o
"caldo de cevada" do início do processo). O açúcar contido no mosto é
consumido pelo fermento (no caso, fungos do gênero "Sacarômice",
literalmente, "fungo do açúcar", em grego), gerando álcool e gás
carbônico. A quantidade de álcool vai depender então, em princípio, do açúcar
presente no mosto – mas é também condicionada a outros detalhes da produção,
que não vale a pena discutir aqui.
03 - E fica igual a uma
cerveja normal?
Dá vontade de esquecer a modéstia e
dizer "Fica melhor". Mas é bom ter cuidado, porque cervejas feitas em
casa estão sujeitas a problemas no processo para os quais uma grande indústria
costuma estar bem vacinada – ainda que haja cervejas industriais também com
defeitos perceptíveis. Se o cervejeiro tiver atenção aos detalhes, e
principalmente, à sanitização (limpeza) dos equipamentos, para evitar
contaminações por bactérias e outros microorganismos que alteram o sabor da bebida,
são grandes as chances de sair uma ótima cerveja. Há outras cascas de banana
que a prática - e a troca de informações, constante no meio artesanal – vai
ensinando a evitar.
04 - Vamos fazer um
churrasco um dia desse! Eu preparo a carne, e você faz a cerveja...
Chega a ser engraçado ver a cara de
decepção das pessoas quando você conta que o processo que começa com a
brassagem (cozimento dos grãos), a fervura com lúpulo (para gerar o amargor)
dura entre umas quatro e oito horas, podendo chegar a 12 horas ou mais em casos
extremos, e a cerveja mesmo só vai estar prontinha para ir ao copo, em média,
uns 15 dias depois disso. Isso numa estimativa otimista, e considerando uma
cerveja simples, que não exija muita maturação para "arredondar" as
características. Há casos, e não são raros, de cervejas que ficam seis meses,
um ano, ou até mais, antes de estarem no ponto ideal para o consumo. Paciência
é a maior virtude do cervejeiro.
05 - Ah, mas dá muito
trabalho. Não é mais fácil comprar?
Claro que é mais fácil comprar. Óbvio
ululante, como diria o saudoso Nélson Rodrigues. E, dependendo do nível de
consumo (coisas da economia de escala), também é mais barato comprar. Mas essa
não é a questão. O principal é ter a capacidade de produzir a cerveja do jeito
exato que você quer. É poder usar a criatividade para misturar ingredientes
diversos (os cervejeiros caseiros em geral ignoram, felizmente, a corrente
moralista que prega a "pureza" da cerveja restringindo-a aos
ingredientes básicos) para obter aromas e sabores diferentes, também de acordo
com o gosto. É como aprender a cozinhar e não depender mais do chef do
restaurante x ou y para ter uma refeição agradável. Em uma palavra:
liberdade.
06 - Quando vou provar a
sua cerveja?
Parafraseando o filósofo e poeta
popular brasileiro Wagner Domingues da Costa, "cerveja caseira não se
pede, cerveja caseira se conquista". Fazer cerveja em casa pode ser
diversão, terapia, passatempo, mas exige investimento de tempo e dinheiro. A
cerveja caseira é fruto de esforço, e deve ser valorizada como tal. Portanto,
se você tem um amigo ou amiga que produz cerveja, faça a ele ou ela um favor:
jamais diga a frase acima. Se você se interessar pelo processo, quiser observar
para aprender, ou arregaçar as mangas para ajudar, ótimo. Dificilmente, ele
recusará um par de mãos extras na hora da ralação, e a cerveja poderá vir
depois como recompensa, isso acontece muito. Mas nunca, nunca mesmo, aja como
se fosse uma obrigação ele ou ela te dar uma cerveja.
fonte: Márcio Beck
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