quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Coisas que Acontecem Quando Descobrem que Você faz Cerveja

01 - Ué, mas dá para fazer cerveja em casa? 
É o momento em que o cervejeiro caseiro é visto meio como se fosse um ET. As pessoas em geral acham que é preciso ter uma fábrica monstruosa para produzir o precioso líquido. Isso sem contar as matérias primas, os "maltes e lúpulos importados". E outra coisa é a própria alquimia envolvida, que acaba se tornando tema de uma bateria de perguntas subsequentes sobre o processo. Hoje em dia, já consegui restringir a explicação do processo todo a menos de 60 segundos, mas foi necessário um bom tempo treinando. 

02 - Quando coloca o álcool? 
Nesse momento, é difícil conter a risadinha. Claro, é uma pergunta que, vindo do leigo, faz sentido. Mas aí entra em cena uma piadinha digna do equivalente cervejeiro do "tio do pavê": quem faz a cerveja é o fermento, o cervejeiro faz mosto (o "caldo de cevada" do início do processo). O açúcar contido no mosto é consumido pelo fermento (no caso, fungos do gênero "Sacarômice", literalmente, "fungo do açúcar", em grego), gerando álcool e gás carbônico. A quantidade de álcool vai depender então, em princípio, do açúcar presente no mosto – mas é também condicionada a outros detalhes da produção, que não vale a pena discutir aqui. 

03 - E fica igual a uma cerveja normal? 
Dá vontade de esquecer a modéstia e dizer "Fica melhor". Mas é bom ter cuidado, porque cervejas feitas em casa estão sujeitas a problemas no processo para os quais uma grande indústria costuma estar bem vacinada – ainda que haja cervejas industriais também com defeitos perceptíveis. Se o cervejeiro tiver atenção aos detalhes, e principalmente, à sanitização (limpeza) dos equipamentos, para evitar contaminações por bactérias e outros microorganismos que alteram o sabor da bebida, são grandes as chances de sair uma ótima cerveja. Há outras cascas de banana que a prática - e a troca de informações, constante no meio artesanal – vai ensinando a evitar. 

04 - Vamos fazer um churrasco um dia desse! Eu preparo a carne, e você faz a cerveja... 
Chega a ser engraçado ver a cara de decepção das pessoas quando você conta que o processo que começa com a brassagem (cozimento dos grãos), a fervura com lúpulo (para gerar o amargor) dura entre umas quatro e oito horas, podendo chegar a 12 horas ou mais em casos extremos, e a cerveja mesmo só vai estar prontinha para ir ao copo, em média, uns 15 dias depois disso. Isso numa estimativa otimista, e considerando uma cerveja simples, que não exija muita maturação para "arredondar" as características. Há casos, e não são raros, de cervejas que ficam seis meses, um ano, ou até mais, antes de estarem no ponto ideal para o consumo. Paciência é a maior virtude do cervejeiro. 

05 - Ah, mas dá muito trabalho. Não é mais fácil comprar? 
Claro que é mais fácil comprar. Óbvio ululante, como diria o saudoso Nélson Rodrigues. E, dependendo do nível de consumo (coisas da economia de escala), também é mais barato comprar. Mas essa não é a questão. O principal é ter a capacidade de produzir a cerveja do jeito exato que você quer. É poder usar a criatividade para misturar ingredientes diversos (os cervejeiros caseiros em geral ignoram, felizmente, a corrente moralista que prega a "pureza" da cerveja restringindo-a aos ingredientes básicos) para obter aromas e sabores diferentes, também de acordo com o gosto. É como aprender a cozinhar e não depender mais do chef do restaurante x ou y para ter uma refeição agradável. Em uma palavra: liberdade. 

06 - Quando vou provar a sua cerveja? 
Parafraseando o filósofo e poeta popular brasileiro Wagner Domingues da Costa, "cerveja caseira não se pede, cerveja caseira se conquista". Fazer cerveja em casa pode ser diversão, terapia, passatempo, mas exige investimento de tempo e dinheiro. A cerveja caseira é fruto de esforço, e deve ser valorizada como tal. Portanto, se você tem um amigo ou amiga que produz cerveja, faça a ele ou ela um favor: jamais diga a frase acima. Se você se interessar pelo processo, quiser observar para aprender, ou arregaçar as mangas para ajudar, ótimo. Dificilmente, ele recusará um par de mãos extras na hora da ralação, e a cerveja poderá vir depois como recompensa, isso acontece muito. Mas nunca, nunca mesmo, aja como se fosse uma obrigação ele ou ela te dar uma cerveja. 

fonte: Márcio Beck